segunda-feira, 2 de junho de 2014

Sem acesso: Deficientes físicos e visuais relatam dificuldades do dia a dia.


A rotina do aposentado Carlos Botelho, de 54 anos, é permeada por riscos. Cadeirante desde os oito meses de idade, vítima de poliomielite, ele é obrigado a se locomover pela rua, entre os veículos, para percorrer pela Vila Fiore, bairro onde mora. Isso porque transitar pelas calçadas da região, segundo Botelho, é inviável. Buracos, desníveis, degraus e guias sem rebaixamento foram apontados pelo cadeirante como os problemas que o impedem de transitar normalmente. “Utilizando a rua, eu acabo pondo minha vida em risco. E, também, posso colocar em perigo a vida de outras pessoas, se me envolver em algum acidente de trânsito”, teme o aposentado.
De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), responsável por estipular normas para a construção e adaptação de edificações, espaços e equipamentos públicos às condições de acessibilidade, um espaço só pode ser considerado acessível se for alcançado, acionado, utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive com mobilidade reduzida. 
O risco que Botelho assume todos os dias é ocasionado pela falta de acessibilidade que encontra pelas calçadas da cidade, locais que deveriam ser destinados ao trânsito de qualquer pedestre. “Perto da minha casa tem uma feira, o barbeiro e o supermercado que eu frequento e, em todos esses locais, eu vou pela rua, porque não há condições de usar a calçada”.
As dificuldades relatadas pelo cadeirante não ficam restritas ao bairro em questão. Para participar das reuniões do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, que são realizadas na sede da Secretaria de Desenvolvimento Social da prefeitura, na região central da cidade, Botelho também precisa encarar calçadas problemáticas. “Sorocaba não atende às necessidades dos cadeirantes. Nós nos locomovemos pela cidade porque precisamos, mas as condições das calçadas não nos dão segurança”, declara.

As calçadas da região central de Sorocaba também são motivo de queixas de Magno Donizetti de Oliveira, de 48 anos. Cadeirante, ele aponta a rua Álvaro Soares como uma das mais críticas em relação à acessibilidade. “As calçadas da região possuem buracos e grades, que dificultam o acesso das cadeiras de roda”, explica. 
Oliveira aponta problemas, até, na construção de rampas de acesso no centro de Sorocaba. “Algumas rampas podem ser consideradas adaptações, mas não obras de acessibilidade, pois não foram construídas no mesmo nível da calçada”. Para demonstrar a dificuldade à reportagem do Jornal Ipanema, o cadeirante precisou descer a rampa com a cadeira virada de costas. “Por não estar no mesmo nível da rua, se eu descesse de frente, eu cairia”, relata.
Vítima de um acidente de elevador aos 35 anos, Oliveira disse que sua visão em relação à locomoção mudou muito. “Quando eu não estava na cadeira de rodas, esse mundo era invisível para mim. Hoje, aquela pessoa que viveu no passo não existe mais. Agora, eu vejo as dificuldades e percebo que o mundo é feito sem acessibilidade”. Sobre as reclamações dos cadeirantes quanto à acessibilidade nas calçadas, a prefeitura de Sorocaba, através da Secretaria de Mobilidade, Desenvolvimento Urbano e Obras (Semob), informa que há um Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade (PDTUM), que deve ser votado na Câmara Municipal após apreciação dos vereadores.
A Semob frisa, também, que dentro da política nacional de acessibilidade, Sorocaba desenvolveu um trabalho de recuperação de áreas públicas, que foi iniciado na região central, considerando algumas praças e as vias do entorno. A pasta destaca, ainda, que “toda essa área foi recuperada e foram implantados pisos táteis e rampas” e que “as novas avenidas e corredores viários são projetados com acessibilidade, inclusive nas reformas e revitalizações”.

Obstáculos para os deficientes visuais
Os cadeirantes não são os únicos que enfrentam dificuldades de locomoção em Sorocaba. As calçadas também são obstáculos a serem superados pelos deficientes visuais. Edson de Miranda Mello, de 18 anos, convive com o problema todos os dias, ao andar pela cidade. Deficiente visual desde os primeiros meses de vida, por conta de um descolamento de retina, ele relata problemas com as calçadas do Parque Vitória Régia, bairro em que mora. “Lá não tem como andar na calçada. Por conta dos buracos, entulhos acumulados e pisos quebrados, só posso me locomover pelo meio-fio”. A utilização do meio-fio é uma tentativa de Mello em procurar um ponto de referência para se locomover. Isso porque, segundo a técnica responsável por orientação e mobilidade da Associação Sorocabana de Atividades para Deficientes Visuais (ASAC), Vanessa Junia Cortal, os deficientes visuais são orientados a andar próximos às paredes. “Nós ensinamos que eles precisam usar a parede como ponto de referência. Quando são obrigados a usar o meio-fio para orientação, é porque a calçada está intransitável. Só que isso é extremamente perigoso”, explica.
Mello aprendeu as técnicas de mobilidade na ASAC, que está sediada na rua Sete de Setembro, no centro da cidade. Mas, o jovem encontrou dificuldades, também, para chegar ao local. “Além das calçadas, nós precisamos lembrar, também, que existem outros aspectos que a cidade precisa melhorar quando falamos em acessibilidade, como pontos de ônibus, instalação de semáforos sonoros e avisos visuais”, frisa a técnica em mobilidade.
Todos esses obstáculos precisam ser levados em consideração por Vanessa na hora de passar as técnicas de orientação e mobilidade aos deficientes visuais. “Nós vamos às ruas para que eles aprendam a superar as dificuldades”, afirma Vanessa. A profissional ressalta, ainda, a importância da instalação de pisos táteis e direcionais e sinais de trânsito sonoros para a orientação dos deficientes visuais.  Entre todos os problemas, Mello classifica o estado precário das calçadas como o mais grave. “Nós temos que enfrentar essas calçadas horríveis. Sorocaba não é uma cidade acessível para nós”, termina o jovem.

Falta de fiscalização
A acessibilidade de deficientes físicos e visuais é lei, em Sorocaba, desde 2010. De autoria do vereador José Crespo (DEM), a medida determina a padronização dos passeios públicos e estabelece especificações técnicas das calçadas em caso de reformas ou novas construções. Segundo a lei em vigor, “A execução, manutenção e conservação das calçadas deve garantir a mobilidade e acessibilidade para todos os usuários, assegurando o acesso e deslocamento de qualquer pessoa pela via pública, independente de idade, estatura, limitação de mobilidade ou percepção, com autonomia e segurança”.
Apesar de a lei vigorar há quatro anos, segundo Crespo, não existe fiscalização para a medida. “A acessibilidade ainda está muito no discurso, inclusive com os agentes públicos falando a favor. Mas, ela não é aplicada no mundo real. A prefeitura não tem fiscalização, deixando o campo livre para desequilíbrios sociais”, relata o vereador.
“As calçadas de Sorocaba são uma lástima. As cidades montanhosas, como a nossa, sofrem mais com esse tipo de coisa. Mas, também faltou cultura e fiscalização nos anos passados. Calçada boa é aquela em que o cadeirante tem autonomia para transitar”, finaliza Crespo.
Sobre a fiscalização da lei, o secretário da Fazenda, Aurílio Caiado,  afirma que a administração municipal reconhece que os desníveis em calçadas da cidade consistem num problema crônico, de difícil solução em curto e médio prazo. “Já é consenso dentro da Secretaria a necessidade de se criar legislação que estabeleça normas claras e objetivas em relação ao assunto, em especial às normas técnicas a serem seguidas a fim de preservar o nivelamento dos passeios públicos das ruas de novos bairros, ao mesmo tempo em que estabelecem regras para adequação das situações de desníveis existentes”.
A prefeitura informa, ainda, que, em 2013, o setor de fiscalização registrou 1920 notificações relacionadas a problemas em calçadas, como desníveis, obstruções e falta de manutenção, que resultaram em 150 autuações. Neste ano, o Executivo realizou 141 notificações e cinco autuações.
Reporte : Erick Rodrigues 

Nenhum comentário:

Postar um comentário